quinta-feira, 24 de abril de 2008

24 de Abril

Começo por pedir desculpa por não ter contactado com ninguém desde o dia 10 de Abril mas é que tenho andado tão bem que pude sair do hospital no dia 15 Abril para me instalar em casa. Os antibióticos levaram a melhor à bactéria que se tinha instalado no cateter e pude assim mantê-lo o que ainda me vai dar um jeitão. Por isso, tem sido uma festa ininterrupta. Às vezes até às tantas pois estou a gostar de adormecer muito tarde o que parece não é compatível com os hábitos dos meus pais e dos meus irmãos.

A verdade é que os valores que os médicos me deram hoje são muito bons: na biopsia feita dia 23, não encontraram células cancerígenas no sangue periférico nem na medula. Ou seja depois destas doses letais de quimioterapia que apanhei desde que fui diagnosticada com a Leucemia mieloblástica aguda, o resultado parece que foi melhor que um cenário optimista. No entanto como ninguém sabe como estas células surgiram no meu corpo em Agosto do ano passado, os médicos dizem que teremos de continuar com os tratamentos e assim no dia 28 Abril (e não 16 como inicialmente previsto) começo o processo de radioterapia. Para já são 10 sessões em 10 dias úteis. Mas nem sequer tenho de ficar no internamento. Não acham óptimo?

Os meus pais sabem que se deve ser prudente a festejar mas a verdade é que eles não conseguem esconder a satisfação de se ter atingido este objectivo sem ter havido grandes efeitos colaterais. Este é mais um milagre. E o transplante continua a ser visto só como recurso de uma recaída.

Neste momento de grande alegria não posso deixar de pensar nalguns meninos e meninas que conheci desde Setembro do ano passado em que fiz o primeiro internamento de urgência no IPO. Foram crianças com quem brinquei na sala dos brinquedos e que me divertiram muito, mas que foram partindo para o Pai: o Fábio meu vizinho de quarto que morreu no dia de anos, o Lamine que fazia jogos divertidos com um leque e imagino-o a fazer as mesmas brincadeiras no Céu, o Jerson que falava comigo em crioulo e eu respondia-lhe em linguagem de bebés mas entendíamo-nos muito bem, a Elsa que não falava muito mas entre nós o silêncio e o olhar eram cúmplices, o David que entrou e saiu tão rapidamente que nem nos encontrámos (eu também, estava isolada no meu quarto), ou até o Humberto que não cheguei a conhecer mas que sei que rezou pelas minhas melhores mais do que pelas dele e que partiu no mês passado. Foram meninos infinitamente bons com quem tive o privilégio de me cruzar antes de partirem para o Pai. A todos fui pedindo pelas intenções de quem me procurou e pelas minhas próprias intenções. Sei que não se esqueceram dos meus pedidos assim que chegaram ao Céu e agora são grandes amigos que lá tenho e a quem vou recorrendo sempre.

Só uma nota muito especial ao meu querido Cardeal Sean que me baptizou e tanto tem rezado por mim e que esta semana recebeu o nosso Papa nos Estados Unidos. Acabei por não conseguir ver muito da viagem na televisão mas hoje em dia há outros recursos: tenho ido a sites ver os momentos mais importantes, www.vatican.va/, catholic.net/, www.catholictv.org/, www.h2onews.org/, www.zenit.org/, cardinalseansblog.org/. Que maravilha! O Papa, que chamou à sua viagem ‘Cristo nossa esperança’, levou à América uma lufada de Deus que não deixou ninguém indiferente. Louvado seja Deus!

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I must start by apologizing for not having said anything since April 10, but the fact is I have been well enough to have come home on the 15th. Antibiotics won over the bacteria and I was able to keep my catheter which is still going to be much needed. So it has been nonstop celebrating, sometimes till quite late. In the hospital, I got in the habit of falling asleep very late and I have been keeping that trend at home… which seems to conflict strangely with my parents’ schedules.

Truth is, the news that my doctors gave me today is very good indeed: in the biopsy done on 22nd, no cancer cells were found in the peripheral blood and especially in the bone marrow. It seems that the lethal doses of chemotherapy I was treated with since my being diagnosed with mieloblastic leukemia last September produced a better than expected result. However, since no one knows what caused the cancer in the first place, we will have to continue with the treatments. Next step is radiotherapy which will start on Monday 28th (and not last 16th as initially expected). We are looking at 10 sessions in ten week days. But I can come home every day. Isn’t that great?

My parents know the need for prudence in celebrating but they themselves cannot hide their great satisfaction at our getting to this stage without any major collateral damage. This is one more miracle. And the transplant is still seen as a resource for a relapse.

At this particularly happy moment, I cannot but think of boys and girls I met at the Hospital since my first emergency stay in September. Children I had fun with at the playroom and who have gone to the Father: Fabio, my next door neighbor who died on his birthday, Lamine who used to do beautiful movements with his fan – and I imagine him doing the same in heaven-, Jerson who spoke to me in Creole and I answered in baby language, Elsa who didn’t speak much but we exchanged silences and looks that spoke loudly, David who came and went so fast we didn’t have time to run into each other (I was in isolation in my room), or even Humberto who, although we didn’t meet, I know prayed that I get better harder than for himself and who died last month… These were amazingly good children whom I had the privilege to know before they left for Our Father. To each one I asked for the intentions of those who have crossed my path as well as my own. I know they have not forgotten my requests when they got to heaven and now they are great friends I have up there with whom I often talk.

Just a special note to my dear Cardinal Sean who baptized me and has been praying so hard for me and who this week welcomed our Pope to the United States. I ended up not catching a lot on tv so I am particularly glad for modern sources on the net: www.vatican.va/, catholic.net/, www.catholictv.org/, www.h2onews.org/, www.zenit.org/, cardinalseansblog.org/. How truly marvelous! The Pope, who named his trip ‘Christ our hope’, took to America a breath of God that has left no one indifferent. Thanks be to God!

quinta-feira, 10 de abril de 2008

10 de Abril

Queridos todos

Cá estou eu a escrever-vos do IPO. Confesso que desta estava com a esperança de não ter que vir para cá isolar... O princípio da semana passada foi complicado mas parecia que eu tinha conseguido dar conta das complicações apesar de estar há tantos dias com 0 neutrófilos. Sexta-feira foi um bom dia, no fim de semana estava animada. Mas segunda-feira 7, quando acordei da sesta e me preparava para ir fazer transfusões de plaquetas e eritrócitos, a Mãe achou que eu estava muito quente... e quente eu estava! Andava nos 40! Assim em vez de ser visita curtinha, viemos de armas e bagagens.

Fechada em casa, a única coisa que me fez falta esta semana foi não ir à Missa. Gosto tanto da leitura dos Actos dos Apóstolos que é feita nesta altura a seguir à Páscoa. A minha mãe diz que a história da Igreja nascente é muito impressionante e eu acho que a minha mãe tem toda a razão. É comovente o entusiasmo e a coragem dos primeiros cristãos. É um exemplo ver como partilhavam a sua fé, os seus dons... Mas gosto também do testemunho de que nem sempre estavam de acordo e nem sempre as coisas corriam bem. E que era rezando juntos e conversando que iam resolvendo os problemas. É perfeitamente assombrosa aquela passagem: «Com efeito, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor outro peso além do seguinte indispensável...» (Actos 15, 28)

Como só temos razões para gostar da Igreja! É ela que nos dá o nosso Deus vivo, todos os dias, sempre, sobretudo através dos sacramentos. A mim, na Unção dos Doentes que tanto alívio e alento me dá. Na Eucaristia, onde Deus é acessível palavra e alimento, presente, amigo, santificador, o céu já na terra... Na Reconciliação, maravilha de bondade e alegria que tudo renova e pacifica… Estou como o Francisco, desejosa de fazer a minha Primeira Comunhão. E estou confiante porque, como dizia a Santa Teresinha do Menino Jesus, ainda que eu viesse a fazer todos os pecados do mundo, se me arrepender, eles não seriam que uma pequena gota de água no braseiro do Amor de Deus!

A todos, queridos amigos, um enorme obrigada porque sinto que não abrandam o vosso carinho e as vossas orações por mim. Eu lá vou pedindo ao Jesus pelas vossas intenções. O Cardeal Sean [www.cardinalseansblog.org, post de 28 de Março, a homilia está para o fim delineada com um filete à esquerda] contou na sua homilia de Páscoa, que na Roménia, nesta altura do ano as pessoas cumprimentavam-se dizendo, não ‘Bom dia’ ou ‘Olá!’ mas sim «Cristo ressuscitou!» e o outro respondia «Ressuscitou de facto!». E eu como eles quero-vos dizer Aleluia! Até para a semana, beijinhos Marta.

PS- Agora que a última quimio está concluida já me marcaram para dia 16 de Abril o preparatório da radioterapia. Até lá tenho de ganhar novamente forças para iniciar novo processo. A doença, como tudo na vida, é feita de pequenos passos, ou melhor, no meu caso, de pequenos passinhos.

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Dear everyone

Here I am, writing to you from the hospital. I must confess this time I was hoping not to have to come here to isolate… The beginning of last week was difficult but it seemed to me I was able to shake off complications despite the fact that I had had zero neutrophiles for a while. Friday went well; I was upbeat during the weekend. But on Monday 7th, when I woke up from my nap to go to the hospital for blood and platelet transfusions (our stake and fries), my Mother thought I had the fever… and what a fever I had! So instead of coming for a short time, we arrived with our luggage. It turns out that the high fever was caused by some sort of bug (I heard they talk of bacteria) that is going around in my catheter. So you see, when our dear doctors tell us we must hurry to the hospital when fever starts, they are not over reacting: they know what they’re up against. God willing, we will get rid of the bug with antibiotics...

Isolated at home, the only thing I really missed was not going to Mass. My Parents told me that it is during this period after Easter that the history of the beginnings of the Church is being read from the book Acts of the Apostles. And I was very impressed. How moving is the enthusiasm, the courage, and the optimistic persistence of the first Christians. What an example, the way they shared their faith and their gifts… And I thought it was great that they admitted they weren’t always in agreement and that things weren’t always right. Life is much like that. But they prayed together and talked things over and managed to solve their problems. And God was always with them. And they were quite aware of how phenomenal that is: “For it has seemed good to the Holy Spirit and to us to lay upon you no greater burden than these necessary things...” (Acts 15:28)

How dearly I love the Church! It is she who gives us our living God, everyday, always, especially through the sacraments. To me, the Anointing of the Sick has given such relief and strength. In the Eucharist, our God is available, word and food, present, friend, sanctifier, heaven already on earth… Reconciliation, that wonder of goodness and joy that renews and pacifies all… I feel like Francisco, one of the children of the Fatima apparitions, so eager to have my First Communion… but I still have such a long time to wait. And I am confident, like Saint Thérèse of the Child Jesus, that should I commit all the sins of the world, if I repent, they would be but a small drop of water in the unquenching fire of God’s Love!

To each of you, dear friends, a huge thank you, for I feel you do not waver in your care and prayers for me. I, on the other hand, keep entrusting your intentions to Jesus. In his Easter homily, Cardinal Sean [www.cardinalseansblog.org, March 28 post, towards the end] tells how people in Rumania, at this time of the year, would not greet each other with a ‘Good Morning’ or ‘Hello!’ but would say «Christ is risen!» to which the other would reply «He is truly risen!» And I, like them, want to say to you: Alleluia!

PS. Now that the chemotherapy treatment is concluded, I have been scheduled to go for a preparatory radiotherapy appointment on April 16th. I shall have to build up my strength till then. The illness, much like life, is made of small steps. Better yet, tiny steps.

Till next week, love Marta

quarta-feira, 2 de abril de 2008

2 de Abril

Acabei a minha quinta dose de quimio. Esta lebre está corrida e se não houver recaída, a quimioterapia pode ser uma coisa do passado. O próximo tratamento que continuará com o trabalho de acabar com as células cancerígenas será com radioterapia.

Lá pus o cateter na terça-feira dia 25 e apesar de algumas peripécias e outros tantos sustos, está a funcionar bem.

Esta última dose de quimio foi aparentemente mais forte. Pelo menos tive alguns efeitos colaterais diferentes: na pele surgiram manchas, borbulhas, comichões, mais dores, os vómitos normais e a febre a aparecer mais cedo. Estava a pensar escrever logo no dia 30, mas como andei muito chocha e no dia que vim para casa tive de voltar ao hospital fazer outros tratamentos devido aos efeitos colaterais, acabei por adiar este meu compromisso. Peço desculpa.

Agora já estou há 4 dias em casa, indo ao IPO fazer tratamentos e análises. Os valores, esses já estão debaixo de água e a aplasia chegou em força. Sei que a qualquer momento vou para o hospital pois vou tendo pequenos picos de febre que anunciam o internamento para isolar.

Fora isso, ando muito bem. E sobretudo sinto muito perto alguns de vós - apesar da distância da vista estão perto na oração e isso sente-se. Bem hajam. É tão bom viver a presença da oração e através dela a proximidade de Deus.

Os meus irmãos e os meus pais têm sido muito queridos a entreterem-me. Devem pensar que tenho menos dores quando fazem palhaçadas. Eu, riu-me porque eles também ficam felizes de me ver rir. Como diz o Cardeal Sean O’Malley, as melhores coisas da vida são de graça: um pôr do sol, a gargalhada dos irmãos, a presença de Deus.

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I finished my fifth chemotherapy. So much so good and if there is no relapse, chemotherapy may be a thing of the past. The next treatment on line to finish with the cancer cells is radiotherapy.

I had the catheter put on Tuesday 25th and despite some events and matching scares, it is functioning well.

This last dose of chemotherapy seemed stronger. Or at least provoked different side effects: my skin got all red, full of itching pimples, more pain, usual vomiting, fever showing up sooner. I expected to write on the 30th, but I really wasn’t feeling too well. The very day I came home, I had to go back to the hospital for treatment of those side effects so I ended up postponing my engagement: sorry.

I have been home now for 4 days, going back for medication and blood tests. The data is now totally under water and the low period has arrived in full force. I know that at any moment I’ll have to go to the hospital: I realize that the small fever events I have been having are a warning sign to go isolate.

Other than that, I am well. I particularly feel some of you very close to me – despite the distance, you are near in prayer and I can feel that: God bless you. It is so good to live the presence of prayer and through it, the closeness to God.

My siblings and parents have been very sweet and go out of their way to entertain me. They must think I feel less pain because of their clowning around. I laugh, for I can see they are happy to see me laugh. As Cardinal Sean O’Malley says, the best things in life are free: a sunset, the laughter of siblings, the presence of God.

Eu e a minha irmã Catarina --- Me and my sister, Catarina